sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

bela adormecida

com o dedo no fuso

confuso

para fuso

pro fuso

con fusão

con fissão:

explosão de vulcão adormecido

feito bela que espeta seu dedo no fuso

e voltamos ao início da história

- sem noção!

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Acorda, Alice!

- me sinto só...
- ah! grande novidade!
- esquece... vou tentar de novo: me sinto uma idiota!
- assim ficou bem melhor!
Insisto em falar dos meus problemas, das minhas angustias, dúvidas, aflições. E elas não interessam a ninguém ou tão pouco que já me convenço que são estúpidas. Estupidezas que nem boa poesia dará. Se é que dará em algo ou alguma coisa ou para alguém.
Falo. E continuo falando porque assim desenvolvo teorias absurdas e soluções milagrosas. Penso num gravador, às vezes rezo, mas o que posso contar ao Criador que Ele já não saiba? Deus ri em meus pensamentos das minhas estupidezas. Os outros não ouvem e se ouvem calam já sem escutar ou escutam com o silêncio de um tédio polido ou uma polidez entendiada. Com muitos fico envergonhada e me calo, constrangida, mas sei, por necessidade, que voltarei a insistir na atenção e ajuda. Talvez numa dessas me abra um clarão, ou ainda um anjo me diga de forma mais clara: você está sendo uma idiota! Então, talvez, eu me convença disso definitivamente. Mas, enquanto nenhum nem outro acontece, sigo tentando.
Tempos atrás pensei seriamente num terapeuta e ultimamente tenho, por livre escolha, corrido o risco de atravessar o espelho de Alice. Nos dias em que me arrisco, às vezes encontro o coelho apressado a me cobrar as horas, em outras um chapeleiro maluco me encanta...mas ainda não vi a face da rainha de copas...
Caminho no escuro - com medo e curiosidade.

o fio da minha vida

Minha vida vale um fio:
o fio do meu bigode.
Não tenho, mas nem por isso deixo de lutar por ele.
Pode não ser grande coisa - um fio!
Mas a dignidade já não é algo para o qual vale a pena lutar?
E ostento orgulhosa meu bigode inexistente e quase inútil!
Eu, a espera dos louros ou das vaias.
Eu, apreensiva, neurotizada.
Por que? Não sei.
Por que razão importante e que mude toda a face do mundo?
Não sei.
Eu, que me isentei do processo de escolha [alguém me explique por que?]
Eu, que me inclui num universo jamais querido ou sonhado, mesmo ansiado! [idem a pergunta anterior]
Eu, só tentando manter o que me resta: a palavra dada.
Meu fio de bigode [quase ridículo] que não possuo mas que exibo, orgulhosa!

terça-feira, 25 de novembro de 2008

morrer de mar

O mar: belo, profundo, em eterno movimento. Em cantos de sereia: nos seduz e nos consome. Nos chama e nos afoga. É preciso um certo controle, mas nem sempre isso é possível. Há os que se limitam a chegar na praia e olhá-lo sem penetrá-lo, há ainda os que só molham as pontas dos pés, dos dedos – delicados. Eu não, eu mergulho, molho a cabeça, cabelos escorridos e penteados pelas águas salgadas! Brinco com a areia e a água. Como ir ao mar e não mergulhar na sua natureza? Água fria, sal, marés, vagas, turbulência, calmaria, areia, conchinhas, brisa e calor fazem parte do seu ciclo e é disso que é feito o mar e seus ventos – elementos água e ar – e por que haveria de ser diferente?
Mas o perigo existe todo o tempo!
E eu sei que posso prudentemente desistir do mergulho
ou me afogar e, poeticamente, morrer.

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

o dono da área

Não preciso de sapatos, fransciscanamente. Mas, não consigo evitar vitrines de sapatos! Adoro esse objeto! Então passo, em dias de bater pernas, para olhá-los, ver o que está acontecendo nessas vitrines, nessas ruas. Paro! Nisso chega um homem, não era um mendigo, um homem comum como qualquer homem, e inicia um discurso: “ a senhora me desculpe importuná-la, mas estou aqui vendo um parente que está numa clínica, e eu estou aqui, a senhora me desculpe, não é do meu feitio, mas às vezes a gente é obrigado, então como estava dizendo...estou aqui e..” Nisso... - “Eu já não disse que você não vai pedir porra nenhuma aqui na minha área? Vai pro caralho, mas xispa daqui! Seu filho da puta, vai pedir na puta que o pariu, mas na minha área não!” Isso tudo nos meus ouvidos! Duas senhoras passam e uma delas diz: - “Olha a área é dele!” Eu fico atônita, sem movimentos, enquanto vejo o pedinte sair correndo e o homem feroz e cheio de impropérios ir atrás dele. E olho pros policiais que estão próximos, encostados em um carro, e faço gesto de que não entendi nada. Eles voltam as cabeças para o lado oposto. O homem feroz volta. E eu sem saber o que fazer, fico apenas esperando que ele – dono da área – mije nos meus pés, marcando assim o seu terreno. Mas ele passa direto por mim e entra a alguns metros em uma lanchonete.

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

qualquer nota

Por que Deus não desiste da criação, da humanidade?
- Porque é o sonho dele!
[Desistir do sonho é desistir de si]

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

siga

Caminho, coração na mão, sem descanso ou método. De onde vim ou pra onde vou é mistério que não escondo nem protejo simplesmente não sei. Não pego atalhos porque estes só existem para aqueles que sabem para onde caminham. Até para isso é preciso saber. Não sei como cheguei até aqui, tudo tem algo de confuso. Se tivesse caido de um caminhão de mudança feito um cão saberia pelo menos a direção. Nem disso sei. Tenho andado assim mesmo, a curiosidade me leva - o que será que há depois da próxima curva? Vejo e volto ou prossigo, depende. Penso que, "noves fora", ainda não sai do lugar. A única coisa que penso que sei é que conheço mais este trecho do caminho. Mas já percebi que ele muda de paisagem, inclinação e motivo. Com o tempo posso vir a conhecer todas as suas possibilidades. Ou descobrir que existem uma infinidade delas. Tenho medo, não tinha e já tive mais. Às vezes, paro e penso: tô fudida! Mas sigo o caminho assim mesmo: "coração na mão", lágrimas nos olhos, sorriso nos lábios e "pernas prá que te quero".

domingo, 5 de outubro de 2008

reclames

meu amigo e poeta vinícius silva leu um texto meu no podcast do seu blog - Palavras sobre qualquer coisa, fiquei toda boba..."e a glória entronizou-se para sempre em toda a minha existência..." [Manoel de Barros] - para quem quiser conferir http://palavrassobrequalquercoisa.blogspot.com/

terça-feira, 26 de agosto de 2008

Lágrimas nos lavam e sorrisos nos restauram. É o ir e vir de ondas: somos mar.

magma

Estou me sentindo como um vulcão...um dia cuspo fogo e lavas, em outro só uma fumacinha preguiçosa, às vezes adormeço e me esqueço... um dia, temo derreter, explodir de vez... mas também sinto medo imenso de, adormecida, só acordar daqui a séculos e sentir saudades dos dinossauros. Ou virar uma ilha vulcânica - dessas bobas que ficam no misterioso oceano pacífico e bóiam sem destino em círculos ou atracam no topo de fendas abissais. Ou ainda, com a fúria guardada de séculos de sono, e por falha geológica, gerar um tsunâmi... sou caos, confusão, mistério, perigo e torpor.

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

querer, desejar e sonhar

uma amiga pergunta: o que você quer, o que deseja e o que sonha?
pensei durante meses sem definição. A pergunta veio de novo por msn. Decidi então enfrentar - vamos lá:

quero amar e me sentir amada, quero ser livre e poder falar o que sinto e ser ouvida, não obrigatoriamente obedecida,
e quero rir muito na vida, chorar um pouco mas apenas na medida da poesia
quero trabalhar e sentir que faço um bom trabalho e ser respeitada por isso, quero ter amigos, muitos!
e verdadeiros mesmo que poucos!
sonho viajar e conhecer outras formas de viver,
e gentes, para eu me lembrar sempre que eu não possuo certezas nenhuma e que tudo pode ser ao contrário do que eu penso.
quero ver por de sol - vários, andar na areia da praia, cheirar maresia, abraçar meus amigos com carinho e afeto, e me emocionar com isso.
quero saber escrever! e viver disso se for possível e se for boa o bastante.
quero sempre ter paciência para ouvir as historias dos outros. ouvir e ouvir para aprender mais.
e se for cuidadosa poder recontá-las, para que outros aprendam com as experiências.
quero aprender coisa nova sempre.
estudar ate ficar velhinha.
quero morrer tarde.
e dormindo
não quero nada trágico, nem drástico.
quero aprender a ser equilibrada, mas não quero perder a loucura.
porque dependo dela para que os sonhos aconteçam, acho.
quero crescer espiritualmente, mas não quero ter a insanidade de me achar santa, ou pura, e nem quero ser.
quero poder ser devassa quando achar necessário...
quero crescer para sempre... todo dia, todo segundo, a cada encontro.
quero acreditar num Deus, nos anjos e na humanidade.
desejo parecer bonita aos olhos dos meus amores, sempre.
e boa também, de bem, boa gente, ter bom coração.
quero manter a persistência no que acho que vale a pena, e nunca desistir facilmente das metas, objetivos e pessoas.
Quero ser corajosa. Não quero ter medo.

Um dia pedi aos anjos que me ensinassem virtudes, eles enviaram situações que me ensinaram muito sobre elas.
Depois pedi compaixão, porque vi que não possuía e não havia como aprender a ter compaixão.
Então me enviaram uma missão com a qual aprendi e apreendi um pouco de compaixão.
Depois pedi para aprender um pouco mais sobre o Amor. De novo fui atendida e já iniciei meu aprendizado.
Mas a Coragem - lição inicial não aprendida na sua forma mais sutil, ainda me falta...

segunda-feira, 21 de julho de 2008

carruagem de abóbora

Construo meus amores com afeto, fé e gentileza.
Invento-os com delicadeza, inteligência e candura.
Moldo-os com detalhes, pequenos toques e muita paciência.
Descubro-os com atenção, doçura e coragem.
Planejo-os prevendo alegria, revolução e cumplicidade.
A partir dessa invenção viajo na história desses amores,
Vivo-os intensamente,
Amo-os infinitamente,
Rio e choro meus amores.
Depois num dia qualquer, por motivo qualquer,
Um orvalho que caiu mais cedo ou um grito fora de hora e lugar,
E freqüente, faz o pano se abrir, desnudando a história.
E os amores nus das minhas construções, invenções e moldes,
Descobertos se apresentam.
Amo-os ainda, mas sem inventos, artefatos ou lentes.
Amo-os como são: bobos, toscos ou irados;
Infantis, adolescentes ou mimados;
Herméticos, autoritários ou subservientes.
Amo-os como são ou se apresentam.
Mas agora meus olhos, através das minhas lentes limpas do borralho,
E passadas as horas mágicas, vêem sob a realidade construída
Tal qual a carruagem de abóbora
e seus cavalinhos de camundongos; mas
Ainda restará o sapatinho de cristal, guardado
A chave no mais delicado castelo,
Ainda restará nas mãos do mais amante de todos os príncipes,
Que ainda estará à procura da princesa, na mais incessante busca.
Esta princesa que não sendo mesmo princesa mas que ainda acredita em conto de fadas,
E torce sempre por um final feliz, e nem pede que seja para todo o sempre.
O sapatinho de cristal - todo meu sonho e amor
em mim guardado nos vários cômodos do meu coração,
Repousa, aguarda e ama, infinitamente.

quarta-feira, 9 de julho de 2008

neste momento

Neste momento, só quero e preciso de um momento de delicadeza.
Nada mais que isso, nada além disso.
Um sorriso, um afeto, um toque delicado,
Um beijo na face que não me marque nem me identifique como algo de alguém,
Um abraço que não me esmague nem me sufoque,
Um olhar compreensivo, um ouvido atento e amoroso,
mas que não me julgue nem me analise, nem tente me compreender,
nem me leia, ou releia, que não se assuste nem se surpreenda,
nem se decepcione ou se admire pela minha covardia ou coragem,
ousadia ou infâmia, mas
que me olhe e me ouça como Deus faria, com absoluta compaixão,
humanidade, doçura de quem sabe também ser incompleto, imperfeito e livre.
Eu quero a delicada liberdade de amar e ser amada,
de ser como sou, do jeito que quiser ou puder ser,
ou do jeito que sonho ser, ou tento ser, ou penso que sou ou serei.
Eu quero apenas ser eu sem julgamento, dor ou sofrimento.
Eu sou o amor.
Eu sou a vida.

> Liberdade é pouco. O que eu desejo ainda não tem nome.
[em Perto do Coração Selvagem, de Clarice Lispector]

domingo, 6 de julho de 2008

obsceno

vadia vaca puta piranha
meretriz safada cachorra devassa
nomes de mulheres marcados
à ferro e fogo na pele,
nos seios, no ventre e na boca
entreaberta a espera de redenção e afeto
ou que seja apenas um beijo
brutal ou delicado,
de selo ou língua
e que tenha desejo
ou admiração
tesão ou respeito
mas que seja, pelo menos,
um beijo.

terça-feira, 24 de junho de 2008

a lenda do amor pra dois

Pensava que amar infinitamente seria o bastante, que amar ilimitadamente seria o suficiente. Acreditava que com um amor tão grande seria possível amar por dois. Que um amor assim seria, no mínimo, amado e o Outro amaria ser amado por este amor. Um amor assim tão imenso, tão pleno, tão sem senso seria por si algo tão poderoso que transformaria as realidades, mudaria o mundo, enfrentaria todos os limites, proporia novos padrões. Seria uma revolução esse amor. Mas, bastante não foi. O seu lugar foi preenchido pelo padrão confortável das convenções, dos limites sensatos, da formalidade aprovada. Ou sempre foi assim e nem se notou que era assim todo o tempo. Não havia revolução, nem quebra de fórmulas feitas. Não havia nada. Nem amor de verdade. Só ilusão.

reconstrução

E nem era tão importante, nem especial o bastante, nem a grande surpresa da vida, e nem era mágico nem milagre, nem vinha com fitinhas lilases a pretender festas e encantos, e nem amanheceu florido o dia, nem de risos e alegrias todas porque tal aconteceu, e nem foi festejado ou brilhou diferente o dia por conta do feito, e nem a vida se transformou e as borboletas desabrocharam como botões de flores do campo para voarem pelas brisas de verão, e nem foi quase nada ou tudo, só brincadeira e ilusão, jogo e cena, e de todo ocorrido se lucra as férteis águas de março aos frios ventos de junho. No entanto, mesmo nada sendo, o nada não será como antes. Alguma mensagem, aprendizado, sentimento? Ainda será cedo para saber, ainda será tarde demais para fingir que não aconteceu, para pretender não ter acontecido. Ainda será cedo para guardar o guardanapo de papel, secar as mangas ou retocar a maquilagem. Ainda será cedo para reconstruir tamanha desconstrução. Apenas um primeiro passo será necessário para iniciar, apenas um. Este aguarda forças, surpresa da vida, mágica ou milagre... enquanto isso, sobrevive como pode, desesperadamente.

sexta-feira, 23 de maio de 2008

tem dias

tem dias que são assim: quase nada.
tem dias que são assim: quase tudo.
tem dias que acordo assustada.
tem dias que não durmo.

tem dias que surto, falo, extrapolo.
tem outros que nem sinto, não vejo.
tem tantos que me molho, me afogo.
e bem poucos me enchem de desejo.

tem dias de sol e de lua.
tem outros de silêncio noturno,
que atravesso como se estivesse nua,
me acompanham os anéis de Saturno.

e se paro agora para lembrar de meus dias
é porque já se prepara a vasta hora,
em que meus sonhos seguirão sem medo
para íntimas viagens nesta noite a fora.

sábado, 26 de abril de 2008

silêncio

Era uma vez uma mulher que não falava nunca. Não que ela não falasse, falava, mas só coisas de interesse comum, ou do outro, anemidades, gracejos, agradabilidades, e não o que realmente ela precisava que fosse dito. Em tempos, ousava alguma poesia, própria ou emprestada. Porém, só as emprestadas eram ditas, as demais dormiam à espera de melhor lapidação, momento e propriedade.

Um certo dia, a mulher sentiu que algo lhe subia pela garganta. Alguma coisa de intenso, constrangedor e de uma quase-verdade escatológica. Abriu a boca, parecia que ia vomitar. Mas nada saiu. Ainda ficou à espera por algum tempo. À espera de marimbondos - ou caracteres de palavrões como aparecem nos quadrinhos, mas nada disso aconteceu. Nada. Apenas o silêncio, revelador como nunca dantes ouvido. Acompanhado de lágrimas que brotaram sobre o silêncio... sob algum olhar.

sábado, 19 de abril de 2008

pérolas 2

Por algum tempo, acreditei que jogar pérolas aos porcos valia mais a pena do que dar carnes às hienas. Hoje, prefiro colher delicadamente contas e com terna paciência, guarda-las para, no momento certo -que definirei ou se definirá qual é-, fiar colares de muitas voltas para olhares e adornos mais sutis, mais suaves, mais doces, menos apressados em ver os espelhos, os brilhos, mas atentos às delicadezas dos nacarados, das madrepérolas com tempos de história, formados e transformados nos vai e vem das marés salgadas...

> à Gina Pinto e Dani

terça-feira, 8 de abril de 2008

visão


Ah! Se os surdos olhos dos tolos que me olham embevecidos pudessem ver com lentes de raio X as asas que trago apertados no tórax, espremidas contra o esterno e as costelas, que doem o peito, que pulam pela traquéia como um alien desconhecido, porém meu... Só o tremor lento das minhas mãos delatam essa presença.

-Trago guardadas em meu peito as asas do meu destino...

[foto: Asas do Desejo, filme de Win Wenders]

segunda-feira, 7 de abril de 2008

pérolas

Não gosto de jogar pérolas aos porcos, mas ainda assim vale mais a pena do que dar carne às hienas.

real possível

Hoje não quero a poesia
Quero o grito
O suspiro
O soluço
O silêncio
Profundo
O medo
O abismo
O escuro
O poço
Sem fundo
Quero o que é meu
Não sonho o impossível, o improvável.
Quero o certo, o presente.
O único real que não me abandona.

terça-feira, 1 de abril de 2008

choros

Odeio quem me faz chorar mais do que meus choros cotidianos. Tenho minhas medidas...

domingo, 30 de março de 2008

mortos

Vivo num mundo de mortos. Sonhos e homens mortos.
Com os poucos vivos aprendo a arte de me fingir de viva. Aprendo a mistificação, a sobrevivência entre sorrisos e lágrimas, entre o desespero e a esperança. Aprendo o equilíbrio sobre a corda que leva ao abismo e ao outro lado, também desconhecido.
Com eles, os vivos, aprendo a esperar, a viver através da indignação, da explosão, me rasgando para sobreviver, me mutando e chorando copiosamente pelos mortos, que também são meus.

quinta-feira, 20 de março de 2008

são

Às vezes tenho vontade de brigar, bater, xingar, e ficar com raiva de você. Só às vezes e sempre. Pelo menos uma vez por dia. Por outras, várias vezes por dia. Em vão. E assim eles, os dias, passam, neste misto de amor e dor, prazer e raiva, calmaria e tormenta. Passam: pulsantes e vivos.

???

Como somos, nem eu sei. E você?
Mas pra que entender o inexplicável,
Penetrar o impenetrável?

Esfinge, quem é você?
Sou o labirinto. E você?
Não sei. Mas durmo com o Minotauro.
Conheces Teseu?
Ainda não, mas tenho esperanças: já achei seu cordão...
Encontrando-o, peça um autografo.
Do herói?
Do caminho.

verso

Tem dias que a única coisa que quero é ficar sob a mesa observando os pés e pernas que passam indiferentes à minha figura invisível. Só ficar olhando, plasmando. Na impossibilidade momentânea de um afeto, colo e aconchego, me encolher sob a mesa parece ser uma boa opção. Mas não seria por muito tempo. Logo após o poder da invisibilidade viria o grito imenso e entalado. Desses ensaiados em silêncio durante anos, existências atrás. Desses que nem todo mundo consegue ouvir. Ou tem coragem ou suporta o ruído profundo. Aquele que sem dizer palavra é cheio de significados, ou não - talvez seja só um grito. E por isso todos entendem e sentem medo. Mas por enquanto só quero ficar quieta. Olhar. Deitar num colo físico ou metafísico e aguardar minha hora. A hora de virar do avesso.

quarta-feira, 12 de março de 2008

esfinge

A cada dobra do labirinto,
Eu desconstruo o Minotauro.
A cada movimento da charada,
eu desmistifico a Esfinge.

Um dia não estarei nessas paredes sem fim.
Um dia não aguardarei respostas
Nem ficarei mais na expectativa de ser devorada.

Por hora, ando à procura do fio de Teseu.

terça-feira, 11 de março de 2008

quase nada

felicidade é coisa simples
e pode ser "quase nada",
como deitar num ombro amigo
e se sentir abraçada.

segunda-feira, 3 de março de 2008

o presente

Para você eu gostaria de compor
o verso mais simples, o mais singular,
o mais puro, o mais eterno,
o verso da mais pura inspiração.
Para você eu gostaria de propor
o presente mais suave, mais terno,
mais amável que o próprio Amor,
mais delicado que a Paz,
mais fecundo que a Fé.
Um presente de Poesia e Criação.
E dá-lo de mãos limpas.
De alma lavada e pés descalços.
Sorriso na boca e no coração.

Tentei achar seu presente ou,
pelo menos, me fazer próspera nesta busca.
Tentei.
Mas, não possuo a Singularidade prometida.
Não tenho a Simplicidade desejada.
Não sou e não serei eterna.
E a Inspiração não me assola todos os dias.
Não cultivo a Suavidade, nem provisória.
A Ternura e o Amor me observam
e esperam o momento da aproximação.
A Fé me falta como água a um sedento
num deserto com oásis por todos os lados.
E da Poesia e da Criação,
me sobra a vontade de compartilhar.

Mas, minhas mãos estão limpas, isto eu prometo.
Minha alma lava-se constante e diariamente.
Meus pés não alcançam o chão,
E meu amarelo sorriso se estampa
quotidianamente em meu rosto social.
Às vezes sai às gargalhadas,
em sôfrega busca do Humor perdido na infância.
E meu coração, estupefato,
aguarda notícias, consola, redime
e cuida, como deixo, de meus amores.

Assim, fico devendo o presente verdadeiro,
o entendimento necessário,
o envolvimento preciso.
Tenho apenas este Amor, conciso.

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

merda!

A cozinha era grande e de azulejos já craquelados de velhos. Na sala não havia uma, mas o negócio da família, um salão de beleza. Morávamos em um dos quartos, o outro fora alugado, para ajudar nas despesas, para um contador – senhor já idoso que cheirava rapé [aquela coisa com cara de pimenta que faz a gente espirrar até perder o fôlego ou o senso]. No meio da cozinha uma mulher sem rosto – porque não me lembro dele – levanta um copo de água e afirma que está vendo o futuro de minha mãe através daquela água esbranquiçada. Eu criança ainda, talvez uns seis anos de idade, irei me acostumar com essas pessoas, figuras estranhas, participando das nossas vidas e entrando regularmente pela minha casa adentro, esmiuçando detalhes e intimidades. Mas nunca sem critica ou sem minhas defesas armadas. Minha mãe, mulher forte e brigona na vida, era frágil e carente na emoção, e carecia de acreditar em adivinhações, feitiços, misticismos de qualquer fonte. Vivendo rodeada por essas pessoas que se alimentavam ora de sua energia, de sua alegria e, obviamente, de suas finanças. Assim, vendo a menina na cozinha, ela pede: vai para o quarto que aqui vai ser conversa de adulto. Eu, menina, fingi que não ouvi. Não deixaria minha mãe sozinha com aquela mulher. Minha mãe repete, agora num tom mais seco: vai para o quarto que aqui não é lugar para criança. Eu não me mexo. Mulher mentirosa. Dali eu não sairia. Já irritada, minha mãe repete a ordem: sai, vai para o quarto que eu estou mandando. Diante da ordem eu não tinha saída, mas não podia sair sem deixar claro minha indignação, que saiu no formato de um grande e sonoro MERDA! Não vi exatamente de onde veio, mas me deu impressão de ter vindo junto com a última letra da palavra: as costas de uma mão vieram contra minha boca. Senti que algo bateu no meu dente que já estava amolecido. Eu me surpreendi e senti um gosto salgado na boca e algo quente escorrendo pelo meu queixo. Minha mãe usava uma aliança de ouro grossa, feita com várias pequenas jóias – prática comum naquela época e também de grande mau gosto. Quanto sua mão bateu no meu rosto, foi o anel que chegou primeiro e pegou em cheio o dente amolecido e parte dos lábios. Engoli meu dente. Não senti dor, só surpresa, espanto mesmo. Nunca havia levado um tapa do rosto! Minha mãe chorou mais que eu. Antes mesmo do tapa chegar ao meu rosto ela já se arrependera. Pediu para que alguém me acudisse. Vieram várias pessoas. Umas perguntavam se ela estava louca, outras pediam calma, e uma me levou ao banheiro para que eu me lavasse. Não senti dor, estava mole e os joelhos dobravam, estava surpresa. Havia levado um tapa mas sabia que eu estava certa. Com a confusão, a mulher e o copo ficaram no esquecimento. Nunca mais vi a tal mulher com suas adivinhações. Do tapa não lembro da dor, o dente nasceu de novo, como todos os outros que cairiam e nasceriam posteriormente e de forma natural. Só lembro do gosto da vitória, porque mesmo que por caminho tosco, não tive medo de dizer o que pensava, e consegui evitar que minha mãe fosse enganada. Esse esquema de defesa em relação à minha mãe se repetiria durante toda a minha infância e juventude. E ainda hoje me ocorre. Há pouco tempo, aconteceu com um amigo. Eu falei o que pensava sobre um assunto similar, mesmo antes de ouvi-lo completamente. Porque me veio a figura da mulher com o seu copo d’água esbranquiçado a ver futuros. Ele ficou bravo comigo, muito bravo. Gritamos e nos magoamos. Senti, então, o mesmo gosto de sangue em minha boca.
Mas meu dente, mesmo problemático, continua no lugar.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

ridícula

O sentimento de ridículo é uma coisa única. Ser ridícula nunca me assustou ou me deteve. Aprendi desde cedo que ser ridícula era o que eu podia fazer de melhor por mim. Desde então, já fui (e sou) ridícula. Não me importo. Só esse sentimento fora de época e lugar e que me comove e reforma tem me incomodado. Esse sentimento ridículo de um amor sem limite ou fim.

relatório

O Impossível acontece como tudo que é esperado, sonhado e acalentado. O próximo passo nem o Destino sabe. Aguarda minha vontade, meu desespero ou minha dor. Ou a piedade de um anjo, talvez. O Real não dá sinais de vida, só o Sonho alimenta a Loucura.

o dia

Noite aflita sem medo,
Madrugada longa e preguiçosa, talvez insone ou algo poética.
Espero, sem ansiedade mas com esperança, o dia, que trará o Sol
E a sutil possibilidade de um sorriso, um carinho, uma ternura?
E quem sabe o que mais?
Ou como será o dia?
E assim de sol a sol,
vivo dia a dia, hora a hora
E morro a cada segundo.

insuficiente

Já nem sei quem sou.
Perdi-me.
Já nem sei o que quero ser.
Perdi o rumo.
Já nem sei pra onde vou.
Perdi o caminho.
Já nem sei o que fazer.
Perdi o jeito.
Já nem sei o que desejo.
Perdi a vontade.
Já nem sei, só sei dessa lágrima
Que não cessa.
Dessa inexperiência e conflito,
desse querer o impróprio, o inatingível,
o inverossímil, o impossível, o inacessível,
de não ser o que sonho, o que gostaria de ser,
aquela que, ainda que transborde o maior amor do mundo,
não poderei ser.

terça-feira, 29 de janeiro de 2008

bares vagabundos e outros lugares

O texto fazia uma relação entre bares ruins e a esquerda intelectual... lembrei dele. Nosso bar preferido que fechou... demos a ele o nome carinhoso de Mosquinha na Parede... em lembrança de todas aquelas decorações “animadas” nos azulejos amarelecidos... a pizza era sem-igual feita na bancada totalmente carcomida que mal se sustentava e arrumada por um garçom de avental sujo mas com uma dedicação que ia desde o corte de rigor milimétrico da calabresa defumada até a entrega orgulhosa na mesa. A massa só Deus e, talvez, o sonolento cozinheiro, sabiam onde e como foi acondicionada e preparada, mas o calor do forno nos dava esperanças e nos protegia de qualquer ataque fulminante de bactérias e similares. Críamos. O chopp era bem tirado e gelado e havia cerveja em garrafa, igualmente bem gelada, que vinha sempre acompanhada de uma dose de cachaça vagabunda: um mimo ao cliente fiel. O café era morno, ralo, muito doce e oferecido de forma gentil: melhor esquecer. Os copos, pratos e talheres não deviam ser examinados de óculos, ou mesmo com o uso do tato, era melhor abstrair. As toalhas, preferíamos sem elas, mas retirando-as não melhoravam muito o quadro ou o suporte onde deveríamos comer, então ficavam, com as pontas para cima da mesa, e evitávamos ralar os cotovelos nelas. Técnicas avançadas de freqüentadores e usuários. Além da pizza, tinha o bife à milanesa com alho sem usura, e arriscávamos, em dias mais corajosos e ousados, novas aventuras: cozidos, feijoadas de sábado, picadinhos, etc. E a clientela nunca nos decepcionava com personagens e causos fascinantes, alguns criávamos a partir das situações presenciadas, das informações fornecidas pelos garçons ou pelos barracos armados - memoráveis! Uma coleção inteira de crônicas, causos e histórias tão humanas. Fechou e nos deixou orfãos... nos sentimos menos guerrilheiros no novo bar do bairro, ainda que tenha o nome de um palhaço imortal e que só aceite pagamento em dinheiro vivo (não eletrônico), os banheiros se projetem para as mesas e as mesas para a calçada...mas o Mosquinha, nunca mais... Hoje o local está fechado, desde então em obras e talvez, dizem, reabra. Mas, nunca será o mesmo. Se trocarem os azulejos, dedetizarem as “decorações”, mudarem os bacalhaus que pendem do teto, e retirarem as garrafas e tralhas diversas que se escondem secularmente sob o balcão, se mudarem os uniformes irreconhecíveis do cozinheiro e dos garçons, se, absurdamente e fatalmente, reformarem a cozinha... nunca mais...nunca será o mesmo... O que já aconteceu. Tempos atrás, e através de uma fresta entre as portas de ferro, vimos, com tristeza, todo o local já “no osso”: azulejos no chão, piso retirado, entulho por todo canto, e a cozinha! Toda desmontada, destruída, e no centro dela um enorme buraco! Parecia um túnel vertical, um poço, como se tudo tivesse sido consumido, tragado por ele! E foi! Desapareceu nosso Mosquinha! Mas ainda mantemos o luto respeitoso - todos os dias e vezes em que passamos ali, de frente ao Palácio da República, no Catete:

- “e o Mosquinha, heim? Tsc... Nunca mais...nunca mais...”


Nota 1: Ah! O nome verdadeiro do Mosquinha! Pizzaria Guanabara, acreditem.

Nota 2: Parecido, mas não igual ao Mosquinha só encontrei em Manaus, no bar do Armando, na praça do Teatro Municipal de Manaus. Não tinha o mesmo apelo sentimental, nem o mesmo público – este sim, tinha um público intelectual de esquerda, ou não. De toda forma, me tocou e fiquei de fotografar o local, mas desisti da idéia porque poderia causar algum desconforto à freguesia, e, no mais, preferi guardar na memória. Quem sabe algum dia?...

Nota 3: O Mosquinha não era, como cita o texto de referência, para "meio intelectual meio de esquerda", era lugar para guerrilheiro mesmo!

Nota 4: Tudo isso é muito o Jaguar. Sempre Pasquim!

sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

real diário

Todos os dias a realidade me atinge como um soco na cara...

[a frase está tão impregnada na minha cabeça que já nem sei se li em algum lugar ou eu mesma disse, escrevi, pensei... - perda total da noção de realidade...]

domingo, 13 de janeiro de 2008

herança

Essa estrela que você avista,
Talvez nem mais exista.
Pode ter milhões de anos -
Luz que viaja a vida inteira,
Só seu brilho se perpetua...

terça-feira, 8 de janeiro de 2008

hoje

Hoje, apenas um silêncio delicado.
Hoje, só o suspiro, a dor compartilhada,
A ausência e a falta, o lugar vago, o espaço não ocupado.
Hoje não tem música, não tem palavra, não tem ruído
nem assobio que ouse romper o silêncio.
Hoje só a vida paira, do início ao fim,
Magnânima, transcendente, inesperada.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

conselho

Melhor é esquecer
Melhor e mais sábio é desviar o olhar,
Amortecer o desejo, engessar a imaginação.
Prudente e seguro é comportar-se,
Envelhecer.