quarta-feira, 21 de novembro de 2007

para um amigo

Existem palavras que devem ser efêmeras como um bilhete escrito à grafite. Apagável. Serão ditas e guardadas: para uso posterior e quando se fizer necessário, desde que “de cor” (de coração). E é assim que elas devem ser guardadas. Breves, do tempo esquecidas. Palavras são presentes muito delicados. Por isso exigem cuidado e atenção absolutos (mesmo que o absoluto nestes casos não haja...). De presente, e junto com o presente efêmero, te dou a palavra AMIGO ou AMIGA, que pode e deve ser conjugada, mas que aguarda, e com toda a calma do mundo espera, mais uma boa oportunidade para ser. Junto te dou a palavra GRATIDÃO, porque agradeço de todo coração a companhia de viagem. E como três é um número bom, o número da trindade e da criação: te empresto a palavra SEMPRE. Porque apesar de ser muito tempo, ainda não será o bastante para estar na sua companhia.

sábado, 10 de novembro de 2007

é hora do show!

Não quero. Mas devo. Tenho que me levantar. Estico as pernas. Espicho os braços. E seguindo o conselho do jovem Buda, tento pensar em algo que espere por mim. Que faça valer a pena me levantar, acordar. Dar importância. Sempre acho. Sempre.

Rezo para buscar forças sobre este tédio, esta apatia, esta não preguiça, mas desistência:

- "Com Deus eu me deito, com Deus me levanto. Com a Graça de Deus e do Espirito Santo..." . Economicamente.

Levanto, enfim. E me precipito para o banheiro. Escova na boca cheia de espuma. Tento acordar para um dia refrescante como promete a propaganda. Observo que os olhos não combinam com a boca, com gosto de menta -ou será hortelã?-, agora acordada e pronta para ensaio de um social sorriso. Lavo os olhos, despertando-os em busca de uma uniformidade convincente.

O rosto, as mãos... me apresentam.

Espelho à frente. Olho em meus olhos. Meu duplo. E como num filme de Bob Fosse, repito, com resignada ironia: "It's show time that!" E começa um novo "round".

Aplausos e agitação: touro na arena. Inicia-se o espetáculo sangrento.

Para o delírio e deleite da platéia sedenta.

Aceno para a assistência. Último escárnio - um sorriso de creme dental e olhos pintados de vivo com lápis crayon.

Fingimos o embate. E às vezes parecemos -ora um ora outro- mortos. Como num acordo tácito, nunca dito. Sabemos que nosso real adversário nos observa, e nos aguarda, na platéia. Por isso continuamos o diário duelo de entretenimento nesse jogo de vida e morte. Enquanto nos observa, o fatal inimigo não entrará na arena. E nos poupamos de destino mais cruel - até o próximo inevitável e surpreendente combate.

Nas horas de folga saímos para passear, ver o verde, ver o sol, temos em comum o amor à vida. E o medo.

- O touro e eu vivemos em delicada harmonia.


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quinta-feira, 8 de novembro de 2007

a poesia está perdida

A poesia está perdida para sempre.
A poesia perdida vaga confusa e incerta em lágrimas sensíveis e frágeis. Inúteis. Franzinas. Fúteis. A poesia fugidia espera em desespero ser chamada, clamada, lembrada. Aguardante, solicita, aguardente entre dentes agudos prontos para mastigar consciências compradas, comparadas, compensadas, rameiras de porta de bar. Dignas e vendidas.
A poesia é festa e raiva. Rumina, baba pelos cantos da boca, indigesta, nua e humilhada. Fulmina com o olhar seus algozes, carrascos ridículos e burros.
A poesia perdida, derrotada, esquecida, rejeitada não pede passagem, mas quer abrir seu caminho à foice, à força. Arrombar o caminho, rasgar a névoa, avermelhar a paisagem, acordar os anjos rebeldes, chamar aos gritos, clamar aos berros gnomos e duendes - seres da natureza, expelir odores de medo, rechear os peitos de agonizante suspiro derradeiro e salvador. Alterar veias dos pescoços ao vômito amargo de indignação e votos de justiça.
Essa coisa inútil, parda, branca, negra e de todas as cores quer, morrendo, viver e fazer viver. Ato único. Ato último. Grande ator e atriz em cena trágica, humorada, obscena, dramática, e enfim, aos prantos, adormecer.

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quarta-feira, 7 de novembro de 2007

a estética amorosa

Ela o acha lindo,
Ele não acha o mesmo e
Fica de mau humor
Quando ela afirma que ele é lindo.

E ela fica triste por ele achar
Que ela não tem nenhuma noção de estética
E que o amor a transformou em
Surda, cega e burra.

- O Amor, querido, tem dessas coisas, mas não chega a tanto!